Atrás da pedra eles celebram a luta pela terra: ministério da Justiça reconhece Terra Indígena Jaraguá

A reportagem é de Ligia Neves e Paula Forster, publicada por Brasil Post, 10-06-2015.

Na sexta-feira, dia 29 de maio, os índios guaranis da aldeia Tekoa Itakupe tiveram motivo para comemorar: depois da pressão popular, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assinou a Portaria Declaratória da Terra Indígena Jaraguá. Ele reconheceu a demarcação de terra realizada pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em abril de 2013. Uma área de 532 hectares, na região do Pico do Jaraguá, na zona oeste da cidade, foi reconhecida pela FUNAI neste período, mas até o momento, apenas 1,7 hectare havia sido demarcado.
Como tudo começou
Segundo o cacique Ari, sua família chegou à região do Jaraguá há 46 anos, na década de 1960, e fundou a AldeiaTekoa Ytu, em uma área de 1,7 hectare. A terra foi homologada pela FUNAI em 1987, época em que os guaranis já enfrentavam problemas decorrentes da urbanização. Então, na década de 1990, algumas famílias ocuparam uma área vizinha de 3,5 hectares, onde criaram a Aldeia Pyau (a região não era homologada). 
Ari viveu em aldeias do litoral paulista, aos 15 anos esteve no Jaraguá, foi cacique em Ubatuba e retornou à região nos anos 2000. Foi aí que começou a se preocupar com a falta de espaço em que viviam os membros das aldeias. "A comunidade começou a crescer muito. Começou a me dar a preocupação com as crianças e adolescentes, porque não tem espaço. A coisa importante do índio é a água. Nós tínhamos na parte de baixo o Ribeirão das Lavras, mas com esse tempo todo aí, o rio foi contaminado pelas construções de favelas e correu muito esgoto aberto", conta Ari. 
Além disso, em 2004, um grupo de universitários que visitou a aldeia alertou um cacique sobre uma possível ocupação da aquele território com um assentamento de terra. Então o cacique combinou com umas seis famílias e em um domingo do ano de 2005 ocuparam a terra. A aldeia foi batizada de Tekoa Itakupe. Entretanto, o advogado Tito Costareivindicou a posse de 72 hectares da área, alegando que o território pertencia à sua falecida esposa, Lea Nunes Costa. "O dono começou a entrar com processo e uns 40 dias depois recebi intimação para comparecer no Ministério Público. Lá fora, disseram que eram pessoas estranhas que tinham invadido a área, não falaram que eram índios. A gente teve que sair, porque estava no começo, a gente não tinha reconhecimento da área. Eles arrumaram um caminhão para levar as coisas", lembra o cacique Ari Augusto Martim. Foram seis meses de ocupação até os guaranis sofrerem com a reintegração de posse. 
Em 2013, mais precisamente no dia 30 de abril, o Diário Oficial da União comunicou o reconhecimento pela FUNAI da área de 532 hectares (região que compreende a aldeia YtuPyau e Itakupê) como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá. Os guaranis retornaram à região em 2014. No entanto, a demarcação da terra dependia da assinatura do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo - até então, apenas a área de 1,7 hectare era homologada. Enquanto isso, os guaranis ainda sofriam a pressão da reintegração de posse comandada por Tito Costa e dependiam da decisão de Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em aceitar ou adiar o pedido do advogado. 
Com a assinatura de Cardozo no último mês, o "Jaraguá é Guarani". 
Os índios são muito ligados à terra onde habitam. A terra é mais do que um lugar para morar: é sagrada. Segundo o cacique Ari essa foi a principal razão para que lutassem por Tekoa Itakupe. 
Mutirão para construção de novas moradias
Com o reconhecimento da FUNAI em 2013, o Cacique Ari iniciou um projeto. "Eu queria fazer uma aldeia modelo. Uma oca tradicional de madeira. Mas aqui não temos o material todo, como o cipó, então usaremos pregos e a cobertura de sapé", explica. "A gente vai fazer um grupo de seis casas com cozinha tradicional e uma área também para plantar, para já começar a alimentação direto da terra", conta Ari. 
Quem tem ajudado Ari na realização deste sonho são voluntários, que comparecem aos mutirões organizados por meio do Facebook. No dia 24 de maio, foi realizado o segundo deles, dia foi dedicado à construção da casa da donaGeni, filha do cacique. E mesmo em meio a tanto trabalho, não faltou disposição para Ari nos contar sobre a história, a cultura e situação atual da aldeia - que até a presente data esperava por uma reunião agendada no Ministério Público, confiando na possibilidade de adiamento da reintegração de posse. Em 2005, os guaranis perderam o processo para Tito Costa e retornaram para as Aldeias Ytu e Pyau. Em 2013, a FUNAI reconheceu a área como terra indígena, mas como ainda não tinham o reconhecimento do Ministério Público, o homem que se afirmava dono das terras ainda reivindicava parte do território.
A cultura que resiste
As crianças da aldeia são adoráveis e receptivas. Contam muitas histórias e até nos ensinam algumas palavras doidioma Guarani. Até os seis anos de idade elas aprendem somente tupi guarani e depois começam a estudar português.
Quando questionado sobre a importância de as crianças frequentarem as escolas, cacique Ari diz: "Antigamente a gente dizia assim 'valia mais a prática do que a gramática'. Mas hoje tem que valer as duas, porque o índio tem que procurar se defender", diz.
O papel da mídia
"De 170 milhões de brasileiros, apenas uma ínfima parcela teve algum tipo de contato direto com uma aldeia indígena, seu conhecimento sobre essas populações advém, portanto, não da experiência, mas se constrói através dos filtros da escola e, sobretudo, da mídia. Ela é o principal suporte pelo qual a grande maioria da sociedade nacional toma conhecimento e constrói opiniões sobre a população e questão indígenas".
O trecho acima foi retirado do artigo A Construção de um Réu-Payakã e os índios na Imprensa Brasileira publicado no livro Espelho Infiel. O texto é da mestra em Antropologia Social pela UFRJMaria José Alfaro Freire, e é produto da dissertação de mestrado defendido no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, em 2001. 
Maria José analisa um caso em particular: a cobertura da imprensa na acusação de estupro dirigido ao índio kayapóPaulinho Payakã. A autora escreve na introdução: "A escola, a produção intelectual, a mídia, a literatura, o cinema, o museu, as práticas do Estado, da Igreja, entre outros, constituem 'lugares' onde esses modos de conceber o 'índio' se constroem e circulam". 
A mídia tem o poder de criar representações e influenciar a opinião de quem a consome. No caso da aldeia Tekoa Itakupe, o Cacique revela boas impressões da mídia, mesmo sem ser questionado sobre o assunto: "A FUNAI é um órgão federal, mas não tem aquela força. Assim, como eu usei a mídia e as reportagens, eles tiverem que se mexer, senão ia queimar o filme deles né? Então isso foi muito bom para mim", afirma. 
A visibilidade que o assunto da reintegração de posse ganhou, graças ao papel mediador da imprensa e da repercussão das postagens nas redes sociais, em particular o Facebook, pressionou, de alguma forma, o adiamento da reintegração de posse (situação em que se encontrava o processo até o último domingo, dia 24 de maio). Ainda assim, há muito ase questionar sobre a forma pela qual a mídia retrataos povos indígenas: ora como povos primitivos ecanibais; ora como aproveitadores que se enriquecem 'invadindo' terras alheias; ora como 'não índios', porque possuem celulares. Há que se questionar muitas das informações que nos são 'jogadas' em todos os momentos.
Redes Sociais
Nos últimos anos, as redes sociais têm contribuído largamente no processo de disseminação de informações. Lembremos o caso da carta dos povos indígenas Guarani e Kaiowá à presidente Dilma Rousseff que ganhou repercussão pelo número de compartilhamentos no Facebook.
No caso dos povos indígenas do Jaraguá, as notícias da tentativa de reintegração de posse sofrida pela aldeia Tekoa Itakupe postadas no Facebook, contribuíram para que um número maior de pessoas soubesse do que estava para acontecer.
Podemos ilustrar nosso próprio caso como exemplo. Ficamos sabendo da causa por meio de uma postagem de um amigo em comum. Depois de estabelecermos contato com a pessoa, todo o processo para conhecer mais sobre a tentativa de reintegração de posse, sobre o mutirão que seria organizado no domingo e sobre como chegaríamos até Tekoa Itakupe foi feito através do Facebook, por meio de grupos e eventos. Inclusive após a visita à aldeia, continuamos acompanhando as notícias pelo grupo SOS Aldeia ItakupeSol Nascente, e soubemos da notícia de que o Cardozo havia assinado a demarcação da terra por ele.
Link da matéria: http://migre.me/qeWHm

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