Espaço para a tolerância

PAULO CLÓVIS SCHMITZ

NOTÍCIAS DO DIA
FLORIANÓPOLIS, SEGUNDA-FEIRA, 29 DE JUNHO DE 2015 (versão impressa)

Casos recentes de intolerância no Rio de Janeiro e na Bahia deixaram a impressão de que as diferenças, no âmbito da religião, não são mais vistas como naturais, parte do rico mosaico cultural brasileiro, e sim como antagonismos que podem levar à violência. O teólogo e filósofo Jaci Rocha Gonçalves, professor da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), campus de Palhoça, acha que as próprias igrejas se perderam no caminho da construção de sentidos e acabaram gerando mais intolerâncias. No entanto, ele vê boas saídas com as perspectivas que se abrem para o "homem cuidador", preocupado com a ética e com a dignidade de todas as pessoas. Também o Papa Francisco, com sua postura de tolerância, pode abrir caminhos para que se entendam melhor as diferenças de que é feito o mundo.

A intolerância à diversidade religiosa vem crescendo no Brasil. O recente caso da menina que foi alvejada com uma pedra quando voltava de um culto afro no Rio de Janeiro é um exemplo disso. Como se pode explicar esse fenômeno?
A intolerância é maior e mais ampla que as religiões. A própria história das guerras é marcada por desencontros que decorrem do fato de que as diferenças não são vistas como uma riqueza, mas como uma ameaça. O caso da menina que levou uma pedrada reflete o fechamento de uma elite intelectual e pensante às vertentes da sabedoria. No Brasil, os movimentos de base popular são demonizados, e as bancadas religiosas no Congresso Nacional se defendem como facções, com seus componentes de fundamentalismo. Seja na política, na economia ou na religião, há dificuldades para promover o encontro com o diferente.

As religiões deveriam se pautar pelas causas da paz e da tolerância, mas às vezes incitam a violência.
O que fazer diante desse quadro?
As religiões poderiam adotar o caminho da construção de sentidos, mas se deixam violentar na sua razão de ser e carregam dogmas que resultam no fundamentalismo. Nenhum povo pode se achar único, escolhido, aquele que vai impor sua própria visão, preceito que é a gênese da intolerância e das guerras. Este mal afeta tanto o Ocidente quanto o Oriente. As religiões abraâmicas (derivadas do patriarca Abraão e que geraram o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo) são fundamentalistas desde que nasceram. Isso leva as pessoas a pensarem que podem matar em nome de uma crença. O mandamento "não matarás" é muito antigo, mas foi esquecido no exercício do poder, consolidando outras intolerâncias.

                                               
Grandes líderes tem agido de forma a incentivar a reação às diferenças, aqui e lá fora. Eles também são culpados pela intolerância vigente? 
O grande Deus é o fundamentalismo de mercado, que silencia até a mídia sobre o holocausto da fome no mundo. A violência e a intolerância resultam de um mercado que vive da morte alheia e das pessoas sem acesso ao mínimo poder aquisitivo. O ex-presidente americano George Bush era fundamentalista que invadiu o Iraque para buscar o Satanás. Os Estados Unidos têm cem anos de fundamentalismo, baseado na ética protestante e na crença de que os americanos eram o povo escolhido para zelar pela salvação do mundo.

O senhor vê alguma perspectiva de melhora, de abrandamento desse cenário?
Há uma agenda de reação, que parte da alfabetização para a responsabilidade com ética, para garantir a vida com dignidade para todos. É uma nova sensibilidade, focada no cuidado com a vida humana e a natureza. Um novo homem vai emergir, um homem cuidador que ajudará na busca de saídas para os problemas políticos, econômicos e religiosos. Nenhum poder poderá escapar disso. Trata-se de uma pauta internacional para as religiões, e até os sem religião poderão ajudar.

Com o papa Francisco, a Igreja parece mais aberta a discutir questões como a tolerância e a liberdade religiosa. O senhor também alimenta essa esperança?
O papa Francisco não se nega ao diálogo profundo com o diferente. Ele é um efeito surpresa que restabeleceu relações com todos e adotou uma postura de perdão que nenhum outro pontífice havia conseguido, por mais que tentasse. Ao abraçar um sábio muçulmano, recentemente, ele quebrou um paradigma. Também em Turim, depois de quase 500 anos, ele deu um abraço num luterano. É um caminho possível para o aumento da tolerância. Em suas falas, ele sempre usa o nome dos pobres e dos miseráveis. Ele está lavando o poder do Vaticano e criou o conceito de homo serviens, o homem para servir.

A educação, as escolas e as universidades poderiam contribuir para uma mudança nesse quadro?
A luta pelo respeito às diferenças é realizada com muita timidez na educação. A lei que prevê a criação de materiais sobre a cultura indígena nas escolas, por exemplo, não é cumprida. Estou com 66 anos e pertenço à geração que lutou por essas bandeiras. A educação aprofunda o conhecimento das leis, que são irreversíveis e dão esperança de sustentação jurídica a causas importantes. A escola é um espaço sagrada para a difusão da diversidade e a tolerância. Sobretudo a escola pública, porque a universidade ainda é composta por guetos. A universidade é espaço de poder e também precisa se lavar.

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