Espiritualidade no timing do cotidiano

BIOMAS E INDÍGENAS: ESPIRITUALIDADE SUJEITO-SUJEITO


Jaci Rocha Gonçalves*

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Car@ Leitor/a. A lembrança dos povos originários na Campanha da Fraternidade 2017 sobre Biomas Brasileiros e Defesa da vida foi uma opção sábia e necessária. Sábia porque é mais um abraço de reparação a  quase hum milhão de indígenas brasileiros de 305 etnias e 274 idiomas em extinção. É necessária porque todos esses povos, de certa forma, são protetores dos biomas e protegidos pelos biomas. Em SC restam os  Kaingang (região oeste), Laklaño/Xokleng (Alto Vale do Itajaí) e Guarani (Litoral) e convivendo nas terras dos outros dois povos.

Tenho aprendido desde 1991,  especialmente com os guarani, eu e os alunos da Unisul e muitos outros visitantes das aldeias, a ter uma relação de sujeito-sujeito, relação filial com a Mãe Terra, com os biomas e não mais de sujeito-objeto. Relação amorosa, holística, de espiritualidade. Lembro que certa vez levei uma aluna bióloga à aldeia Ka’akupé do Maciambu de Palhoça que pretendia estudar a ornitologia guarani.

O velho xamã, após ouvi-la por longo tempo, lhe disse: aqui não é possível estudares os pássaros sem perceber a relação com todos os outros seres. A não ser que mudes de ideia, não poderás estudar conosco. Ela mudou de ideia. Hoje é doutora e trabalha com quatro povos originários amazônicos.

Duas heranças residuais  mostram qual a relação desses povos com os biomas de nosso ecossistema: a primeira são os nomes com que chamamos nossas montanhas (Cambirela), rios (maruim, maciambu), pássaros (anu), peixes (cará), animais (tatu), árvores (guarapuvu), plantas medicinais, tubérculos e frutas (aipim, tucum, gabiroba).

Outra é a herança cultural: os nomes que damos a nossos povoados – Biguaçu, Palhoça, Garopaba, Aririú, etc, a nossas comidas: mandioca, beiju, pirão, etc. É comum entre todos os povos originários essa relação de afeto filial com a natureza terrenal e sideral como parente, como família.  Mexeu com o bioma, mexeu com a Mãe Terra, a mãe do indígena. Nas oito aldeias guarani da Grande Florianópolis há uma mostra de sua  resistência surpreendente e nos últimos 25 anos de forma cada vez mais visibilizada. Parece haver uma reciprocidade de amor: o indígena cuida de sua mãe e ela, no caso nosso, a Mata Atlântica foi sua salvação.

No colo da Mata Atlântica, eles se refugiaram em três grandes perseguições: em 1580 – diáspora guarani no Vale do Maciambu. Em 1750, com a destruição dos Sete Povos das Missões – as montanhas, grutas e cavernas os receberam; 1910 com as políticas de integração – eles passam novamente a ser caçados como bugres ou se embranquecem obrigados a perder sua identidade. Também aqui, foi no interior da floresta que mantiveram sua resistência, segredos de saberes e fazeres culturais.
Foto: Henrique Almeida
Felizmente, agora, já podemos aprender com os próprios indígenas. Inteligentes e sábios, os três povos restantes de Santa Catarina tiveram as primeiras formaturas de universitários em 2015, na UFSC. Cada vez mais falam por si mesmos em Português. Na UNISUL, apoiamos suas produções de livros, CDs, DVDs em versão bilíngüe. Assim podemos aprender sua língua, ritos religiosos, sistemas de educação, medicina tradicional, arquitetura, astronomia, geografia, organizações políticas e econômicas, e sobretudo, como nos relacionar amorosamente com os biomas respeitando sua biodiversidade.

Neste março/abril, vamu q vamu espiritualizando e refazendo vidas.

*Padre Casado, Doutor em Teologia e Culturas, Filósofo
Professor da Unisul e Coordenador do Programa Unisul/Revitalizando Culturas

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